O tempo da Quaresma e a conversão pessoal e pastoral em perspectiva Sinodal
Em um tempo de marketing planejado que procura construir oásis de felicidade acessíveis pela via do consumo e da exibição, a Igreja Católica propõe aos seus fiéis um caminho alternativo de penitência e conversão: o período da quaresma. Opondo-se ao afã popular produzido pela torrente de imagens e estímulos de todos os gêneros, é costume cobrir-se as imagens sacras de nossas igrejas e celebrar a liturgia de modo mais austero e recolhido. E, sobretudo, é-nos solicitado, a exemplo do Bom Samaritano da parábola de Jesus, que nos aventuremos a abandonar a nossa autorreferencialidade para nos consumirmos no serviço aos nossos irmãos e irmãs – a carne viva daquele que foi morto e ressurgiu dentre os mortos para a nossa salvação. Esse caminho alternativo expressa-se na liturgia da Palavra, nos símbolos e nas atitudes que suscitam em nós a imitação de Cristo. Na liturgia da Palavra três linhas temáticas cruzam-se para formar o quadro espiritual deste tempo litúrgico: a meditação dos temas fundamentais da história da salvação (leituras do Primeiro Testamento); a vivência do mistério pascal de Cristo como ápice do desígnio divino que nos é ofertado nos sacramentos da iniciação cristã (evangelhos do III, IV e V domingos e evangelhos feriais da IV semana) e a temática transversal do combate espiritual a fim de fundar o homem interior no Espírito Santo. A simbologia da quaresma é, por sua vez, um elemento de inigualável riqueza. O caráter penitencial da liturgia é destacado pela confluência de gestos e sinais provindos das remotíssimas liturgias judaicas de expiação (cinzas, jejum ritual), juntamente com elementos que nos remetem à dimensão cósmica do culto (como a água, o jogo de luz e trevas e o silêncio) ressignificados à luz do mistério pascal do Senhor Jesus. Por último, destaca-se o compromisso ético-existencial no horizonte da conversão pessoal e pastoral.
Tal princípio foi sublinhado como inerente à dimensão celebrativa pelo então Cardeal Joseph Ratzinger (agora papa emérito Bento XVI) em seu livro Introdução ao Espírito da Liturgia, quando disse, referindo-se à correta celebração litúrgica: “[…] a adoração, que é o modo correto do culto e da relação com Deus, é constitutiva para a existência certa do Homem no mundo, precisamente porque vai para além do quotidiano, fazendo-nos participar no modo de existir no ‘céu’ do mundo de Deus, deixando assim entrar a luz do mundo divino no nosso” (RATZINGER, p. 15, 2016). Em conclusão, resta-n0s a tarefa pessoal e comunitária de interiorização da liturgia através da mortificação pessoal encarnada, em nosso contexto arquidiocesano, no empenho por uma Igreja sempre mais comprometida com a missão que brota da comunhão com o Senhor e com os irmãos. Assim, investindo espiritualmente no projeto de uma Igreja verdadeiramente sinodal, acudiremos mais eficazmente os nossos irmãos caídos nas periferias existenciais de nosso tempo, fazendo-nos representantes do Bom Samaritano.
Seminarista Gabriel Dias Ferreira de Souza.
REFERÊNCIAS: RATZINGER, Joseph. Introdução ao espírito da liturgia. 7. ed. Prior Velho: Paulinas, 2016. Trad. : Jana Almeida Olsansky. O tempo da Quaresma.
Fonte: https://www.acidigital.com/fiestas/quaresma/tempo.htm